O fotografo, o taxidermista e a cultura sampler
A série Fotorama, resultante de pesquisa realizada pelo fotografo Marcelo Tinoco nos últimos três anos, ativa a reflexão sobre as relações entre o ato fotográfico e a criação ficcional na cultura do banco de dados. Estamos diante de um procedimento fotográfico que nasce documental, torna-se arquivístico e culmina em construção de natureza ficcional.
Há diversas tecnologias envolvidas no processo de elaboração dessas imagens. No estágio inicial do trabalho, as questões técnicas e conceituais dizem respeito ao ato fotográfico em si. Todas as imagens são geradas pela câmera de um fotógrafo com inquietações documentais.
Como tornar-se um agente invisível; captar o instante em sua espontaneidade; ter uma atuação descritiva dos acontecimentos do mundo exterior e registrar fatos reais sem interferências? Essas questões, próprias ao fotojornalismo e à mitologia do “instante decisivo” de Cartier-Bresson, são colocadas em cheque quando Marcelo Tinoco renega a unicidade narrativa que poderia estar contida em um clique, e assume sua fotografia como anotação, rascunho, fragmento, a serviço da posterior construção de histórias e narrativas visuais.
Com o rigor de um taxidermista, o fotógrafo cria um dispositivo de arquivamento de instantes fotográficos, se aplica na dissecação das imagens documentais em fatias, segmentos, módulos e passa a organizá-las em pastas, categorias, coleções. A partir da elaboração de um extenso banco de dados digital, dá seqüência à construção de quadros cênicos de grandes proporções. As imagens são impressas em papel algodão, em dimensões de 1 a 2 metros, e adquirem o efeito de autênticos Dioramas. A tecnologia implicada nessa fase do processo construtivo é, portanto, a arquivística.
Como um artesão, aplicado na reconstituição cênica da vida animal das florestas tropicais do Zaire em pleno Museu de História Natural, Marcelo Tinoco fabrica nas imagens da série Fotorama uma natureza calculada e medida em seus mínimos detalhes. O rigor fotográfico, aliado à alta definição e a um trabalho manual de calibragem da luz, criam efeitos de tridimensionalidade e hiper-realismo, próprios dos Dioramas.
Nas narrativas cenográficas desse fotógrafo-taxidermista, predominam as estratégias de remixagem, partidárias de uma cultura sampler. As paisagens, as personagens, as situações – primeiro documentadas em viagens, logo dissecadas e arquivadas em banco de dados – são submetidas a um exercício de reciclagem que resulta em imaginário nômade. Em cada imagem, a colagem de instantes decisivos e a aproximação de geografias até então díspares.
Paula Alzugaray